Renato Janine Ribeiro: “A intolerância cresceu brutalmente na política”
Filósofo apresenta análises que vão do cenário eleitoral a novas angústias da contemporaneidade
Em meio à violência de opiniões que pauta colunistas à esquerda e à direita no jornalismo nacional, o filósofo Renato Janine Ribeiro se mantém como um farol de sensatez. Não significa, em momento algum, que lhe falte contundência. Professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo, o paulista de 64 anos enfileira críticas tanto ao governo petista quanto ao projeto tucano sem poupar também a nova roupagem de Marina Silva, mas consegue apontar virtudes nas três direções. Porque sua maior reprovação refere-se a uma crescente intolerância, visível não só na imprensa, mas também na agitação das redes sociais. Talvez por isso Janine sinta-se à vontade para abrir seu voto em Dilma Rousseff. Nesta entrevista, o colunista do caderno PrOA, de Zero Hora – para o qual escreve crônicas sobre temas diversos, como ética e vida digital –, e do jornal Valor Econômico apresenta análises que vão do cenário eleitoral a novas angústias da contemporaneidade.
“…E a relação cotidiana se transforma em um martírio…
Exatamente. Há uma série de situações em que o convívio com o outro, no Brasil, é um episódio tenso. Na Europa ou nos EUA, na hora em que abre o comércio, você compra qualquer coisa com uma nota de US$ 20 ou de 50 euros, e o atendente lhe dá o troco. No Brasil, você entra na loja, no ônibus ou no táxi, no início do dia, e ninguém tem troco. O taxista sai de casa para trabalhar sem um centavo no bolso, sem o capital de giro básico. E, se o cliente só tem R$ 50 para pagar uma corrida, ele fica furioso. Nos acostumamos a enxergar o outro como um estorvo. Essa relação só não vira guerra porque a gente, defensivamente, evita o outro, ignora a existência do outro, o que explica as pessoas pararem no meio do saguão atrapalhando todo mundo. Você só percebe a existência do outro quando ele te incomoda.
Em um plano mais geral, não apenas no que se refere ao Brasil, qual é o grande dilema ético contemporâneo?
É justamente o laço social. Estamos vivendo um período no qual nunca houve tanta independência no mundo, tanta liberdade. Posso mencionar exemplos aparentemente tolos, como a invenção do microondas, que permite que cada membro da família jante no horário em que quiser, sem a necessidade de uma reunião familiar. Ou a multiplicação dos televisores, liberando as pessoas para assistir sozinhas ao que quiserem em quartos separados. Ou a pílula anticoncepcional, emancipando o sexo sem o risco da gravidez. Há também o telefone celular, as redes sociais, permitindo que você fale de onde quiser com quem quiser a qualquer momento. Essa liberdade toda individualizou muito as pessoas. Não se presta mais contas a ninguém, praticamente…”
Existe um lado positivo nessa individualização da sociedade?
O avanço maior é que, hoje em dia, não somos mais obrigados a preservar um relacionamento conjugal horroroso. Por outro lado, quando surgem os primeiros problemas no convívio, a tendência é trocar de parceiro sem grandes considerações, afinal há gente interessante e disponível por todo lado. As pessoas estão de tal forma convictas de que podem – e de que devem – buscar o prazer, que as obrigações em relação ao outro se enfraqueceram. Isso também se reflete nas relações entre pais e filhos. Começa a ficar difícil, atualmente, ver um filho se dispondo a cuidar de uma mãe velhinha, resistindo à ideia de colocá-la em um asilo. Aparentemente, nunca houve sociedade com laços sociais tão fracos como a nossa, e esse será um grande desafio dos próximos tempos. As pessoas vão ficar muito desconfiadas umas das outras. Afinal, que confiança terei em alguém que pode me largar a qualquer momento?
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